Ali, em meio ao cinza e as ruínas
do que já foi sua casa, Alice caminha. No meio dos tapumes e entulhos, uma
janela quebrada reflete sua face. Ela já não se reconhece mais. Tinha sido tudo
tão bom antes deles chegarem.
_*_
Fazia cinco
dias que Alice chegara à casa nova, acompanhada dos pais e do irmão mais novo,
Jonas. Era uma casa grande, escolhida a dedo pelos pais. Um quintal grande,
cercado por um muro alto, uma balança em baixo da árvore e espaço de sobra para
os exercícios de Alice. Seu quarto, escolhido antes mesmo de chegar à casa, era
lá em cima, uma espécie de sótão. Com janelas espalhadas pelo quarto, a luz que
entrava trazia a Alice uma paz que não encontrava em outros lugares. Dalí podia
ver toda a cidade. E podia chorar nas noites escuras em que percebia que não
poderia estar lá.
_*_
Alice
passou em frente à nova sede, agachada, atrás dos arbustos. Quis gritar quando
alguém passou por perto, mas ele foi mais rápido, a segurou pela boca e a levou
a uma viela escura, ao lado da passagem principal. Ainda com a boca tapada, ele
empurrou sua cabeça a frente e tirou o cabelo da nuca. Ali, onde antes estava o
chip, agora esta somente uma marca. Ele percebeu que ela não fora pega por
eles. Soltando-a, Alice corre ao canto
mais escuro, e reconhece aquele rosto, tão sonhado por ela em outros tempos.
_*_
Da sua
janela, Alice via as crianças do bairro brincando, via as meninas, indo para a
escola, todas arrumadas, e o via passar em frente ao seu portão e observar o
grande muro todos os dias. Queria gritar sempre que o via, queria pedir que ele
subisse para vê-la. Era uma sensação incontrolável, mais forte que sua
existência, e sem razão. Mas ela tinha certeza que ele não sabia de sua
existência. Aquele dia, porém, essa sua certeza foi abalada. Ele levantou os
olhos verdes, que mesmo de longe eram incomparáveis, e, de alguma forma, ela
sentiu que ele tinha a visto. Ele apenas sorriu com o canto da boca, e
continuou sua jornada. Pra escola, ela achava. Ela achava.
_*_
‘Mas, que merda! O que você está fazendo aqui?
Quer que te encontrem, coloque o chip novamente e achem todos que tentamos
salvar? ’
‘Que porra você está fazendo
aqui? Eu disse que ia sair, que ia achar alguém, que ia trazer mantimentos. ’
‘Claro,
sozinha, você ia levar mantimentos para todos? E você veio buscar mantimentos
aqui. Não se rebaixe Alice, fala logo que você veio procurar a merdinha dos
seus pais, que te deduraram assim que colocaram as mãos neles.’
Alice
tirou a faca do bolso, encostando Vitor na parede, com a faca na sua garganta. ‘Cala
a boca e não fala deles. Eu quero ver meu irmão’
Ele
soltou uma risada baixa, com os olhos de deboche que só ele sabia fazer. ‘Seu
irmão tá morto Alice. MORTO. Dá pra entender? Você viu. ’ Num movimento rápido desarmou Alice, segurou
em seus braços e a puxou para a passagem já muito conhecida por ambos.
‘ Vamos embora antes que te
peguem e você acabe com todos nós’.
‘Babaca’.
‘Mas um babaca que está salvando
a vida de toda a sociedade que você deixou pra trás’
_*_
‘Porque
eu não posso ir pra escola normal? Como todo mundo que passa na rua? ‘
‘Ai Ali, você não ama seus pais? Estar aqui
conosco? Ficar conosco? Pra que ir pra esse mundo que só vai te enganar?’
‘Mas todos parecem tão felizes’
‘Você é feliz aqui, não é meu
bebê?’
‘Mãe, eu já tenho 15 anos, há
tempos não sou mais seu bebê. Quero sair, conhecer as pessoas, ver algo além
desse muro cinza que cerca nossa casa’
‘Um dia você vai entender meu amor, o mundo
não é para você’.
Alice
subiu para seu quarto, com os olhos marejados e as mãos tremendo. Ela queria
sair, ela queria ver as pessoas, ela queria vê-lo de perto. Chegando a seu
quarto socou a parede, já calejada por seus ataques, e abriu com facilidade
mais um buraco para o mundo externo.
‘Ótimo, mais um motivo pra ser castigada.
’ Sentou no parapeito e olhou pra fora. Ele estava ali, olhando novamente para
a janela do seu quarto. Pensou ter ouvido seu nome ser sussurrado ao movimentar
dos lábios daquele garoto. Era impossível, não era?
_*_
Já de
volta ao Ciclo, Alice entrou correndo, e foi para o quarto dela. Se é que
aquele cantinho escuro no canto da caverna pudesse ser chamado de quarto. Paulo
chegou perto e começou a despejar.
‘Alice, para, por favor. Você
sabe o quanto eu te amo, mas é impossível com você fugindo e escapando de mim
sempre que pode.’
‘Eu não tô fugindo de você Paulo,
me entende. Eu quero achar meu irmão, eu quero matar o filha da puta do Daniel,
e quero colocar a cidade novamente nas mãos do Clã’.
‘Mas você não pode fazer isso
sozinha, meu bem. ’
E foi encostando suas mãos no
pescoço dela. Alice logo desvia e com os olhos furiosos retruca: ‘ E você que
vai me ajudar? Parado aí? Com medo de ir buscar a porra da água do outro lado
da rua? É você que vai comigo Paulo?’
‘Você não pode me tratar assim
toda vez que não gosta do que falo’.
‘Porque você ainda tá aqui Paulo?
Eu tô cansada, eu quero ficar sozinha, e se não sair por bem, você sabe que sai
por mal’
‘Tá bom, tá bom. Eu saio, mas
pensa bem, você tá afastando o cara que mais te ama nesse lugar’
‘Amor? Vai se fuder Paulo, você
só tá interessado no meu poder, e na proteção que eu ofereço, ou melhor, eu
oferecia a você. Você deixou a porra do Vitor ir atrás de mim, e ficou aqui,
sentado, esperando. ’
‘ Você vai se arrepender’
‘ Vai se foder!’
_*_
Alice
pensou a noite toda naquela voz, e não conseguiu dormir enquanto os olhos
verdes e a voz forte invadia seu pensamento. Não era possível que houvesse
outros, era? Se era, porque ela estava ali, trancada, e ele lá fora,
caminhando, vivendo? Era injusto. Ouviu um barulho e se pós logo em pé, correu
a janela e viu, lá fora, os passos donos daqueles olhos, e possivelmente
daquela voz.
‘Eu vou te tirar daí, você não
está segura’
Dessa vez, com seus olhos fixos
nos dele, ela pode ouvir claramente o que ele dizia.
‘Eu estou segura, eu estou com
meus pais, eles estão me protegendo do mundo’ pensou Alice.
‘Você não está segura Alice’ - Se
assustou com a voz na sua mente, como se ele tivesse ouvido seus pensamentos. -
‘ Você não entende o que acontece no
mundo aqui fora. Aí é perigoso pra você. Mas eu prometo, eu vou te tirar daí. ’
_*_
Alice
cruzou a sala com os olhos, e se deparou novamente com os olhos em Vitor. É
impossível escapar daqueles olhos, por mais que ela tentasse fugir.
‘ Para de fugir sozinha Alice. ’ - Ela quis
desviar o olhar, mas não conseguia. Precisava dizer o quanto o odiava, e não
queria ele por perto. - ‘E para de me odiar, você sabe que o que fiz foi certo,
que eu não deixei você na mão. Não foi traição Alice.’ Ela apenas cerrou os
olhos e virou para a parede. Não podia mais lidar.
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Gente, to aqui cheia de amor abrindo pra vocês o primeiro capítulo do meu livro ( ou da minha história) ainda sem título, e cheio de amor. Espero que vocês gostem. Comentem aqui o que acharam, se gostaram, o que acham que vai acontecer? <3